sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Soberania, não sujeição!

Em 2003, logo após a posse do ex-presidente Lula da Silva, muitos brasileiros acordaram surpreendidos com uma estrela partidária ornamentando os jardins do palácio Alvorada. Naquele ato anunciava-se o início de uma nova era, com reflexos inexoráveis em nossa política externa: a supremacia da ideologia partidária, sobre a política de Estado brasileira.

Não causa surpresa, portanto, a atitude de nosso governo no recente episódio da transferência para o Brasil do senador boliviano, Roger Pinto Molina, depois de 445 dias de asilo em nossa embaixada em La Paz.

O diplomata Eduardo Saboia falou da existência de um acordo tácito entre o Brasil e a Bolívia, para manter o senador asilado na embaixada, enquanto as autoridades dissimulavam uma negociação, que na prática não existia. Saboia diz estar documentado com e-mail’s que comprovam essa dissimulação.

As mesmas autoridades agora não medem esforços para desclassificar o diplomata Eduardo Saboia. Mas, os riscos da operação de resgate e a quebra na hierarquia do Itamaraty não podem ser maiores que os gestos de humanidade e coragem do ato empreendido por nosso diplomata. Ele só merece elogios, por não se submeter ao “ideologismo” político.

Neste quadro, a presidente Dilma Rousseff em nada se enleva ao contestar o diplomata Eduardo Saboia. Se não se compara as condições de vida de Molina na embaixada brasileira, com as das prisões do DOI-Codi na época da ditadura, tal como disse Saboia, também não se pode dizer que ambas as condições são “tão distante quanto o céu do inferno”, da forma como falou a presidente.

A realidade é que o senador Molina não vivia em um paraíso, trancafiado em um quarto da embaixada brasileira em La Paz como prisioneiro, sem banho de sol, privado do direito de ir e vir em seu próprio país. Muitos prisioneiros têm melhores condições de vida. Tanto isto é verdade, que os próprios médicos constataram uma depressão profunda no asilado, sugestiva para levá-lo ao suicídio.

O senador Roger Pinto Molina era líder da oposição venezuelana, razão pela qual vinha sendo perseguido pela esquerda populista e autoritária de Evo Morales. Seu “mal” foi denunciar a corrupção e o envolvimento de membros do governo com o narcotráfico. Então, no confronto, foi acusado de inúmeros crimes e condenado a um ano de prisão por corrupção. Por fim, não liberaram seu salvo-conduto para o exílio, como é tradição na diplomacia internacional em casos similares.

Estranho é que o Brasil tenha cruzado os braços, enquanto a saúde do senador se deteriorava. No caso dos boxeadores cubanos, foragidos durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, nosso governo não tardou em encontrá-los e mandá-los imediatamente de volta a Cuba.

Outro caso emblemático foi o do comunista italiano Cesare Battisti, acusado em seu país de terrorismo e assassinato. Após a aprovação da extradição pelo Supremo Tribunal Federal – STF, Lula da Silva concedeu-lhe o asilo político nos últimos momentos de seu governo. 

Agora o presidente da Bolívia, Evo Morales, vem solicitar a repatriação do senador Molina. Se nossas autoridades cederem, da forma como foi condescendente com a expropriação dos ativos da Petrobras na Bolívia, mais uma vez estará apequenando o Brasil perante ao mundo.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Uma Imperatriz despedaçada


O augúrio de D. Leopoldina começou a ser traçado com a chegada de Domitila de Castro do Canto e Melo ao Rio de Janeiro. O príncipe D. Pedro a conhecera em São Paulo, através do irmão, alferes Francisco de Castro, durante viagem para debelar os conflitos que instabilizavam aquela província, dias antes da independência.

Domitila casara-se aos 15 anos, com o alferes Feliciano de Mendonça, com quem teve três filhos. Aos 21 se separara, após ser espancada e esfaqueada. Segundo Feliciano, por “violação da honra”, pois a encontrara “resvalada aos pés de um fauno”, como dizia do coronel Francisco Lorena, que viria a manter relação com Domitila até seus 24 anos, quando ela conhece D. Pedro.

Domitila não tardou a seduzir o regente, pois o primeiro encontro íntimo foi quase imediato, em 29 de agosto de 1822. Também não tardaria a abalar o prestígio do imperador D. Pedro I e o Império nascente. Mas, as feridas mais profundas seriam dilaceradas na Imperatriz, D. Leopoldina, pela ascensão de Domitila sobre D. Pedro. 

Ainda em julho de 1823 D. Pedro I demite José Bonifácio, amigo e confidente de D. Leopoldina, que é forçado ao exílio. Compõe, então, um governo de portugueses. A Imperatriz vai ficando isolada, o que é agravado quando o imperador nomeia a concubina para Primeira Dama da Imperatriz, em abril de 1825, dando-lhe lugar de honra e o direito de acompanhar D. Leopoldina por toda parte.

Segundo Maria Graham, isto causou à Imperatriz “o mais odioso dos incômodos”, pois permitia que Domitila a acompanhasse, desde que ela saía dos seus aposentos. Mesmo assim, pelo amor a D. Pedro e aos filhos, a Imperatriz mantinha-se altiva, por considerar um dever suportar situações adversas. Não raras vezes, ainda era submetida a restrições financeiras e obrigada a recorrer a amigos, enquanto Domitila e os seus eram contemplados por ricos presentes, cargos e títulos honoríficos.

Em 12 de outubro de 1825, no aniversário do imperador, Domitila é elevada à Viscondessa de Castro; no seguinte, à Marquesa de Santos. Antes, porém, em maio de 1826, D. Pedro reconhece publicamente a paternidade de Isabel Maria, filha com Domitila, impondo sua convivência com os filhos legítimos. Um duro golpe, que deixa a imperatriz muitíssimo ressentida.

Outro golpe foi a viagem à Bahia, com o fim de arregimentar tropas para a Guerra da Cisplatina, entre fevereiro e março de 1826. Para o povo baiano foi um escândalo a forma de D. Pedro tratar a concubina, se hospedando no mesmo lugar que ela, em detrimento de D. Leopoldina e da filha Maria da Glória, que ficaram em local mais modesto.

Em decorrência de tantas adversidades a imperatriz entra em grande crise depressiva, que só termina com sua morte, aos 29 anos, em 11 de dezembro de 1826. Deixa cinco filhos: o mais novo, Pedro de Alcântara, com um ano, seria Imperador do Brasil; a mais velha, Maria da Glória, com 7, seria Rainha de Portugal.

Tudo começou no dia 20 de novembro, quando D. Pedro I lhe passaria a Regência, para uma viagem de inspeção às tropas, no sul do país. D. Leopoldina, grávida, se recusara a ser acompanhada por Domitila, o que deixou o imperador furioso, por não poder mostrar aos presentes a “normalidade” da sua vida conjugal.

Na carta derradeira à irmã Maria Luíza, ditada à Marquesa de Aguiar no dia 8 de dezembro, D. Leopoldina diz que D. Pedro “acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento, maltratando-me na presença daquela que é a causa de todas as minhas desgraças. Muito e muito tinha a dizer-te, mas faltam-me forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte”.

Se a Imperatriz morreu por septicemia puerperal após ser agredida por D. Pedro, não há provas. Do que há é que Domitila ainda tentou adentrar nos aposentos onde a Imperatriz agonizava, mas que foi impedida pela pronta ação dos que acompanhavam D. Leopoldina em sua agonia mortal.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sua Excelência, Seu Vivinho


No último domingo bem de noitinha, lá pelas oito, todos procuravam por ele, preocupados, até que a filha, Conceição, resolveu perguntar aos vizinhos se havia algum jogo do Cachoeiro. Ele havia saído desde à uma da tarde, sem dizer a ninguém em casa aonde ia. Entretanto, não deixara de passar na casa da vizinha, com o seu ioiô escondido debaixo do casaco, dizendo ir disputar um campeonato no Shopping Sul.
Aquela era a pista que faltava. Realmente foi lá no Shopping Sul, por volta das nove, que ele foi encontrado. Estava terminando o campeonato, que por apenas uma manobra fora eliminado, creio que em quarto lugar.  Segurava em uma das mãos um certificado de participação; na outra, o prêmio da classificação: um ioiô novo. No peito, orgulhoso, uma medalha. Assim, com muita alegria, ele retornou para casa.

Tudo até seria normal se o Senhor Silvino Santana não tivesse os seus bem vividos 88 anos de idade. Contudo o “Seu Vivinho”, como ele é chamado, há muito tempo resolveu parar de envelhecer; não dá mais bola para idade. Como seu vizinho, sou testemunha!

Em nossa rua, no Baiminas, Seu Vivinho é muitíssimo estimado. Todos o consideram parte da própria família. Ele mesmo diz, emocionado, que além das crianças, muitos adolescentes e adultos o chamam por “Vovô Vivinho”. É que ele participa ativamente da vida da rua. Ora brincando com as crianças, ora compartilhando sua juventude com os adultos.

Além da habilidade com o ioiô, Seu Vivinho tem ainda uma destreza fabulosa com o manejo do pião, quer no aparo com a mão, ou no arremesso com a linha. A única coisa de que reclama da vida, por suas próprias palavras, é que “sempre faltou força nos dedos para jogar direito a bola de gude”.

Porém, Deus lhe recompensou dando-lhe agilidade nos dedos e um fabuloso ouvido, para realizar sua maior paixão, que é a de tocar flauta. A perfeição é tanta, que não há quem não goste! Seu repertório é muito bem selecionado: Tico-tico no fubá, Urubu Malandro, Na Glória, Vale Tudo, Meu pequeno Cachoeiro... Por isto, também é conhecido por “Seu Vivinho da Flauta”.

Com muito orgulho ele recorda ter tocado para o ex-governador Paulo Hartung, no aniversário do nosso atual prefeito, Carlos Casteglione, em inúmeros eventos, solando flauta ou na percussão, quando integrava a famosa orquestra do maestro José Nogueira.

Mas, de profissão era foguista. Em 1942 ingressou na extinta Estrada de Ferro Itapemirim. Colocava lenha na caldeira da Maria Fumaça, que fazia a linha Cachoeiro de Itapemirim -Marataízes. Eram quatro horas de ida, mais quatro horas de volta na boca da fornalha. Assim foi até 1968, quando a estrada de ferro foi extinta. Então, foi transferido para o Colégio Newton Braga, onde se aposentou em 1984.

Ainda menino participava da colheita de café junto à sua família, lá pelas roças do atual bairro São Geraldo. Naquela época também gostava de pescar piau, cascudo, robalo e tainha, que havia em abundância no rio Itapemirim.

(Agora, em segredo, conto apenas aos leitores e leitoras desta coluna: com seus 88 anos, Seu Vivinho ainda desperta o ciúme de sua zelosa esposa, Dona Nicinha, com que está casado mais de 60 anos).

Creio que daqui alguns anos, quando Seu Vivinho resolver a envelhecer, que ele não perderá a jovialidade.  Nem a simpatia, a alegria e o riso tão peculiares, que carrega por toda parte. Este sim deve ser chamado por Sua Excelência. Sua Excelência, Seu Vivinho.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Dona Leopoldina, Imperatriz do Brasil


Dia 5 de novembro de 1817. O Rio de Janeiro era só euforia, para receber a princesa que chegava. A ornamentação fora preparada por Debret para uma comemoração jubilosa, com salvas de tiro de artilharia e canhões, repique de sinos e três dias de festa. O casamento com o príncipe D. Pedro fora por procuração, após negociação do Marquês de Marialva com a corte austríaca, em Viena. No dia 6 se celebraria a consagração na capela real.
D. Leopoldina, então com 20 anos, chegava ao Brasil na nau “João VI” acompanhada por botânicos, zoólogos, médicos, músicos e pintores. Sua educação fora primorosa, com os melhores preceptores das ciências, das artes, da política, de geografia e história, além do estudo de vários idiomas. Uma distinção da Casa dos Habsburgos, a mais duradoura e tradicional dinastia real europeia, muito rica e poderosa.
Na época, o casamento entre a nobreza era por conveniências geopolíticas e econômicas. Assim, D. João VI via na aliança à Casa da Áustria uma forma de libertar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves da pressão e do monopólio da Inglaterra; Francisco I, por sua vez, via a possibilidade de influenciar no Novo Mundo com suas imensas riquezas.
Contudo, a Princesa Leopoldina chegava ao Brasil apaixonada pelo príncipe herdeiro, a quem conhecia por um retrato em uma medalha, presente de casamento que levava no pescoço, e informações do Marques de Marialva, enaltecendo qualidades em D. Pedro. Também vinha fascinada em aprimorar seus conhecimentos de botânica e mineralogia.
Neste enlevo, ainda a bordo, a princesa escreve à tia D. Amélia, esposa de Luiz Felipe, que “a entrada do porto é sem par, e acho que a primeira impressão que o paradisíaco Brasil faz a todo estrangeiro é impossível de descrever com qualquer pena ou pincel”, demonstrando o imediato encantamento por sua nova pátria.
Por suas virtudes, não demorou que D. Leopoldina conquistasse a simpatia da corte e a admiração do sogro D. João VI, com quem manteria uma relação de grande amizade. A única restrição era a sogra, D. Carlota Joaquina, que considerava uma pessoa de má índole.
O casamento no princípio foi harmonioso. O casal partilhava o mesmo gosto pela música, passeava e realizava constantes cavalgadas. Mas não tardou à princesa observar as vulnerabilidades da corte lusa e a vivenciar o jeito rude e infiel do príncipe herdeiro. Mesmo assim, mantinha seu senso de dever, enfrentando as situações adversas com extrema discrição.
Em 1921, após a Revolução do Porto (1820), D. João VI é forçado a voltar para Portugal, em um momento de profunda crise, decorrente da invasão napoleônica e do fim do monopólio comercial com o Brasil. Os revoltosos, além de se rebelarem contra o protetorado britânico, exigem a total submissão e o retorno do Brasil à condição de colônia.
D. Pedro, todavia, permanece no Brasil como regente, não obstante a intensa pressão da corte portuguesa, para que ele também voltasse a Portugal. A imposição dos portugueses fica então mais acirrada. Porém, D. Leopoldina com arguta sensibilidade e inteligência, se junta aos brasileiros na defesa da pátria, terra também de seus filhos.   
Em 2 de setembro de 1822, durante viagem de D. Pedro a São Paulo, D. Leopoldina assume a Regência, no momento em que a corte portuguesa radicaliza suas ações. Então, reúne o Conselho de Estado, ao lado do ministro José Bonifácio, e Decreta a libertação do Brasil de Portugal.
No dia 7 de setembro D. Pedro recebe esse Decreto às margens do rio Ipiranga e proclama a independência do Brasil. Em 12 de outubro é coroado Imperador e D. Leopoldina Imperatriz do Brasil.
e-mail: wagnermedeirosjr@gmail.com
Visite o blog: Preto no Branco

Na próxima semana publicaremos a segunda parte: "Uma Imperatriz despedaçada"

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Indução midiática


Até bem pouco tempo o marketing político era utilizado apenas nas campanhas pré-eleitorais, principalmente nos programas de rádio e televisão. Pela ótica dos políticos, as veiculações de televisão devem ser as mais atraentes, com músicas e imagens adequadas, pela grande audiência que têm. Também devem ser convincentes, com uma boa estratégia, para prender e convencer os espectadores.
Os “bons” marqueteiros, então, passaram a ser disputadíssimos no mercado publicitário da política. Consequentemente, as propagandas passaram a custar uma verdadeira fortuna. Nas últimas eleições presidenciais do Brasil houve inclusive um candidato que importou dos Estados Unidos a mesma equipe que fez a campanha de Barack Obama, somente para formular suas estratégias.
Além de caras, o marketing tornou as campanhas eleitorais extremamente artificiais e enganosas. Vende-se aos eleitores aquilo que o candidato não poderá entregar, sem lhes dar qualquer chance e direito de apelar ao PROCON.   
A principal ferramenta do marketing político é a pesquisa qualitativa. Através dela é que o marqueteiro verifica a vontade dos eleitores. Assim, se a maioria prioriza o atendimento na área da saúde, explora-se mais esse tema; se o anseio é pela segurança pública, prioriza-se essa área. Em resumo, o candidato tem que dizer o que o eleitor quer ouvir. Se depois ele irá cumprir, ou não, as promessas de campanha, aí é outra questão, outro problema.
Pela remuneração, a carreira de marqueteiro é muitíssimo atraente. Diversas instituições de ensino passaram a ofertar esta especialização, inclusive em nível de pós-graduação. No entanto, poucos são os marqueteiros que procuram estudar com profundidade a ciência política, embora isto pudesse dotá-los de muito mais conhecimento, em benefício de um trabalho mais sério e mais ético.  
Infelizmente, nos últimos anos, o marketing político também passou a orientar os governos. A maior ênfase se vê no governo petista, principalmente a partir do segundo mandato do ex-presidente Lula da Silva. Mas, com a presidente Dilma Rousseff a função de marqueteiro de governo foi oficializada, com a adoção de João Santana, que é o orientador de cada um dos movimentos da presidente.
Há algum tempo era permitida a propaganda política personalizada. Com a proibição desse tipo de propaganda, utiliza-se agora o marketing pessoal, de modo a promover a imagem do executivo e induzir os eleitores da “eficiência” do governo. A propaganda, neste aspecto, foi sobrepujada pelo marketing; virou um instrumento auxiliar.
Mesmo assim, conforme publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, na edição do último domingo, os governos petistas de Lula da Silva e de Dilma Rousseff gastaram R$ 16 bilhões em propaganda, nos últimos 10 anos. Essa quantia seria muito melhor aplicada nas áreas da saúde ou da educação, que são áreas extremamente carentes de recursos.
Fôssemos um país com melhores leis e governantes, certamente tal desperdício de recursos públicos, em benefício pessoal de quem ora ocupa o poder e dos partidos políticos, não seria permitido.
O marketing político deveria ser banido dos programas pré-eleitorais. A fala do candidato, deste modo, seria olho no olho com eleitor. Do mesmo modo as propagandas e o marketing de governo. Teríamos, então, campanhas políticas menos caras e a população muito mais esclarecida, sem manipulação de marqueteiros.



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Insanidade do poder


Há poucos dias o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB-RJ), em entrevista coletiva sobre as manifestações na capital fluminense, solicitou “de coração”, que os manifestantes deixassem a frente de seu prédio, onde se encontravam acampados. O argumento, veemente e lacrimoso, foi de que ali ao final do Leblon é sua residência; que lá está sua vida privada e seus filhos, um com seis anos e o outro com onze.

Em nenhum momento Cabral mencionou os incômodos que os protestos vêm causando aos vizinhos. Muitos com crianças recém nascidas e de colo, outros doentes e idosos, têm inclusive solicitado a mudança do governador. A gritaria, o barulho das bombas de gás lacrimogêneo e dos tiros de borracha, as sujeiras e depredações, decorrentes dos embates entre os manifestantes e a polícia, mudaram toda rotina do bairro.

Quem assistiu essa entrevista, por certo observou a arrogância e a prepotência do governador, mesmo com o evidente propósito de se fazer humilde - talvez a exemplo do Papa Francisco. Mas, primeiro ele pensou em si e nos seus, como “vítimas”, deixando em último plano os que deveriam ser o alvo de suas preocupações, como governante. Estes nem sequer foram citados.

Fica aqui um exemplo clássico do comportamento da maioria dos nossos políticos. Na hora do voto mostram-se com humildade. Depois de eleitos, no poder, sentem-se como donos da verdade, como se já não precisassem prestar contas de seus atos. Alguns chegam até ao extremo de confundir o patrimônio público com o privado. A vaidade e a alucinação pelo poder tomam-lhes conta!

Assumida essa postura, não lhes faltam os bajuladores a alimentar com aplausos os seus egos e suas vaidades. Esse tipo de político sabe que a todo tempo pode contar com os partidários e seus fiéis seguidores. Estes sempre estarão prontos, a qualquer hora do dia e da noite, a defendê-los por qualquer ato praticado, mesmo que o mais reprovável.

A bajulação em muitos casos chega à raia do absurdo. O ex-presidente Lula da Silva (PT-SP) chegou a ser ovacionado, ao explicar à eclética platéia - que transitava desde a extrema esquerda golpista à extrema direita fascista -, as razões da mudança climática. As palavras do ex-presidente foram as seguintes:

Essa questão de clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo. Se o mundo fosse quadrado ou retangular, e a gente soubesse que o nosso território está a 14 mil quilômetros de distância dos outros centros poluídos, ótimo, vai ficar só lá! Mas, como o mundo gira, e a gente passa lá de baixo onde está mais poluído, a responsabilidade é de todos.

Em outra ocasião nosso ex-presidente também foi muito aplaudido ao dizer: Eu não mudei de ideologia. A vida é que muda. A cabeça tem essa forma para as idéias poderem circular. E até hoje muitos estão convencidos de que as idéias circulam pelo formato da cabeça, haja vista que eles acreditam fielmente em tudo o que diz nosso ex-presidente.

Esta semana foi a vez da presidente Dilma Rousseff (PT-RS) durante visita a Varginha – MG. Os aplausos começaram com o discurso: Primeiro eu queria te dizer que eu tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que aqui, quem não viu, conhece alguém que viu, ou tem alguém na família que viu, mas de qualquer jeito eu começo dizendo que esse respeito pelo ET de Varginha está garantido.

Nossos políticos sentem-se como os verdadeiros reis do universo, muito além do bem e do mal. Podem dizer e fazer de tudo, pois sempre haverá uma platéia garantida a dar-lhes aplausos. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Silêncio ao final do Império



A pá de prata e o carrinho de jacarandá foram manufaturados especialmente para aquele sábado. As principais autoridades do império, com todas as pompas, testificaram Irineu Evangelista de Souza entregar a pá a D. Pedro, para que ele pusesse a terra inaugural no carrinho. Era 29 de agosto de 1852, dia do início da construção da estrada de ferro que ligaria a Raiz da Serra a Petrópolis, primeira ferrovia do Brasil.
O mesmo gesto seria repetido por outras autoridades, até que Irineu convidou D. Pedro para que ele esvaziasse o carrinho, diante dos operários enfileirados. Em seu discurso Irineu havia enaltecido o trabalho, por isso era hora de puxar da plateia os “Viva D. Pedro II!...”, enquanto o imperador empurrava o carrinho, suando e esbaforindo.
Nesse período as iniciativas de Mauá propulsavam o Brasil imperial e escravocrata: Navios fabricados no estaleiro da Ponta da Areia integravam o interior pelos rios e nossa costa atlântica continental; Estradas de ferro começavam a cortar o país; O telégrafo submarino a estreitar as comunicações com o mundo; A indústria de transformação do ferro a ensejar novas indústrias. O Brasil conhecia a primeira iluminação a gás, o saneamento básico e o transporte coletivo através do bonde.
Todavia, à medida que os negócios de Irineu prosperavam, maiores eram os desafetos e os obstáculos. A posição de banqueiro e industrial, em meio a uma sociedade comercial e escravocrata, suscitava muitas desconfianças, inclusive do próprio governo imperial. Não menos relevante é que os negócios de Mauá também confrontavam com os interesses da Inglaterra, maior potencia industrial da época.
E não foram poucos os obstáculos, tal como o incêndio criminoso que destruiu o estaleiro da Ponta da Areia em junho de 1857 e reduziu a nada o setor de moldes, justamente a unidade que guardava a tecnologia.
Irineu ainda se esforçou para recuperar o estaleiro, mas foi surpreendido pela tarifa Silva Ferraz em 1860, que reduziu as taxas para importação de máquinas, ferramentas e ferragens, favorecendo à Inglaterra. Era a opção brasileira pela agricultura e uma pá de cal sobre a industrialização nascente.
O maior golpe, porém, foi na construção da Santos-Jundiaí. Irineu recebeu a concessão da ferrovia, mas vendeu suas ações e continuou financiando a obra, embora os maiores acionistas fossem também acionistas de um banco inglês concorrente. Estes firmaram um acordo com o construtor, também inglês, que resultou no pedido de falência deste último. Sobrou para o Banco de Mauá apenas uma massa falida. Um golpe, só possível porque Irineu estava no Uruguai, tentando evitar o conflito que viria a ser chamado de “Guerra do Paraguai”.
Com as finanças abaladas e sem ajuda do governo, Irineu foi obrigado a requerer moratória em 1875. Era o troco por salvar o governo imperial em momentos de crise. Agora o mesmo governo favorecia o banco inglês, seu maior adversário.
Tendo o nome vilipendiado pelos inimigos, Irineu dispôs de seus bens, inclusive os pessoais, para pagar os credores. E para defender a honra, publicou o livro “Exposição aos Credores e ao Público”, expondo as razões dos insucessos. Em 1884, após liquidar todas as dívidas recuperou a habilitação para os negócios.
“Fazer algum bem e trabalhar por meu país”, era o lema e assim viveu o Visconde e Barão de Mauá. Sua morte foi em 1889, praticamente junto com o fim do Império. Seu valor só seria reconhecido muito anos depois. Se D. Pedro arquitetou um troco pelo carrinho de jacarandá isto ninguém sabe. D.Pedro II levou consigo para o exílio e se apagou com a sua morte...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Dissimulando a incompetência


Demorou um pouco mais de duas semanas, para o governo desistir de estender em mais dois anos o curso de medicina. A Constituinte, com poder específico para realizar a reforma política, proposta em rede nacional pela presidente Dilma Rousseff, já não havia resistido um dia. Mas as novas regras para mudança de sexo, publicadas por meio de portaria na quarta-feira, bateu todos os recordes do governo. Não chegaram a durar sequer um dia!

Os transexuais e travestis, que estão na fila do SUS, esperando para mudança de sexo, não tiveram tempo para comemorar as medidas, que seriam anunciadas durante entrevista coletiva do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e seus principais assessores. Sem maiores delongas e explicações, até mesmo a entrevista foi cancelada.

Os jornalistas que estavam esperando, passada meia hora, também saíram frustrados. A explicação de que houve um imprevisto na agenda do ministro, concomitantemente a outro imprevisto na agenda do secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Miranda, deixou todos surpresos. Para amenizar, sobrou apenas a nota do ministério.

Por esta nota, o governo se justificou dizendo que “convidará representantes dos serviços de saúde que já realizam este processo e especialistas na matéria para definir os critérios de avaliação individual” dos transexuais e travestis. Informou, ainda, que a questão não voltará a ser tratada “até que sejam definidos os protocolos clínicos e de atendimento no âmbito do processo transexualizador”.

A principal dúvida estava em esclarecer as regras para o início da terapia hormonal de mudança do sexo aos 16 anos. Certamente eles querem ampliar os direitos do adolescente. Se antes já podiam votar, poderiam também realizar a mudança de sexo. Nesta idade, eles só não podem ter deveres, como responder por atos criminais, porque esta é uma questão decidida “tal qual uma cláusula pétrea da Constituição”, como disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso (PT-SP).

Assim, pela ótica do poder, não faltou competência. Houve apenas uma pequena falha na cronologia entre os estudos e a publicação da portaria. Talvez, por lapso de memória de algum burocrata, publicou-se primeiro a portaria, antes de aprofundados os estudos.

Mas sob essa ótica, esta é uma questão secundária. A principal é viabilizar a mudança de sexo. Por isto, uma coletiva com a presença do ministro e seus principais assessores. 

Se a questão fosse de ordem econômica, haveria incompetência e culpados. Sempre há os “propagadores do pessimismo”, da forma como diz a presidente Dilma Rousseff. Estes nunca sabem interpretar os fatos!   

Louva-se sempre a “competência” do ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelos méritos de manter o perfeito equilíbrio das contas públicas e a inflação dentro das metas fixadas. Execrado tem que ser o mercado, por induzir a desconfiança nos números apresentados. 

Não existe crescimento pífio do PIB, nem desempenho fraco da balança comercial. Muito menos manipulação das contas públicas, para fabricar resultados. A dívida bruta do Brasil está sob controle, embora tenha triplicado nos dez últimos anos do PT. Não há problema se ela chega a quase R$ 3,0 trilhões ou a 60% do PIB, pelos números do governo. E ainda acabaram com a dívida externa...

Em último plano fica a capacidade para reconhecer os próprios erros ou os fracassos. Vale muito mais governar dissimulando a incompetência, que encarar a realidade de frente. Assim, é muito mais fácil!