Em 2003, logo após a
posse do ex-presidente Lula da Silva, muitos brasileiros acordaram
surpreendidos com uma estrela partidária ornamentando os jardins do palácio
Alvorada. Naquele ato anunciava-se o início de uma nova era, com reflexos
inexoráveis em nossa política externa: a supremacia da ideologia partidária,
sobre a política de Estado brasileira.
Não causa surpresa,
portanto, a atitude de nosso governo no recente episódio da transferência para
o Brasil do senador boliviano, Roger Pinto Molina, depois de 445 dias de asilo
em nossa embaixada em La Paz.
O diplomata Eduardo
Saboia falou da existência de um acordo tácito entre o Brasil e a Bolívia, para
manter o senador asilado na embaixada, enquanto as autoridades dissimulavam uma
negociação, que na prática não existia. Saboia diz estar documentado com
e-mail’s que comprovam essa dissimulação.
As mesmas autoridades
agora não medem esforços para desclassificar o diplomata Eduardo Saboia. Mas,
os riscos da operação de resgate e a quebra na hierarquia do Itamaraty não
podem ser maiores que os gestos de humanidade e coragem do ato empreendido por
nosso diplomata. Ele só merece elogios, por não se submeter ao “ideologismo”
político.
Neste quadro, a
presidente Dilma Rousseff em nada se enleva ao contestar o diplomata Eduardo
Saboia. Se não se compara as condições de vida de Molina na embaixada
brasileira, com as das prisões do DOI-Codi na época da ditadura, tal como disse
Saboia, também não se pode dizer que ambas as condições são “tão distante quanto
o céu do inferno”, da forma como falou a presidente.
A realidade é que o
senador Molina não vivia em um paraíso, trancafiado em um quarto da embaixada
brasileira em La Paz como prisioneiro, sem banho de sol, privado do direito de
ir e vir em seu próprio país. Muitos prisioneiros têm melhores condições de
vida. Tanto isto é verdade, que os próprios médicos constataram uma depressão
profunda no asilado, sugestiva para levá-lo ao suicídio.
O senador Roger Pinto
Molina era líder da oposição venezuelana, razão pela qual vinha sendo
perseguido pela esquerda populista e autoritária de Evo Morales. Seu “mal” foi
denunciar a corrupção e o envolvimento de membros do governo com o
narcotráfico. Então, no confronto, foi acusado de inúmeros crimes e condenado a
um ano de prisão por corrupção. Por fim, não liberaram seu salvo-conduto para o
exílio, como é tradição na diplomacia internacional em casos similares.
Estranho é que o
Brasil tenha cruzado os braços, enquanto a saúde do senador se deteriorava. No
caso dos boxeadores cubanos, foragidos durante os Jogos Pan-Americanos do Rio
de Janeiro, em 2007, nosso governo não tardou em encontrá-los e mandá-los
imediatamente de volta a Cuba.
Outro caso emblemático
foi o do comunista italiano Cesare Battisti, acusado em seu país de terrorismo
e assassinato. Após a aprovação da extradição pelo Supremo Tribunal Federal –
STF, Lula da Silva concedeu-lhe o asilo político nos últimos momentos de seu
governo.
Agora o presidente da
Bolívia, Evo Morales, vem solicitar a repatriação do senador Molina. Se nossas
autoridades cederem, da forma como foi condescendente com a expropriação dos
ativos da Petrobras na Bolívia, mais uma vez estará apequenando o Brasil
perante ao mundo.