O lucrativo comércio estabelecido pelos portugueses na bacia
do rio da Prata durante a União Ibérica (1580-1640) despertou na Coroa Lusa o
desejo de consolidar uma posição estratégica naquela região. Por ali escoava a
prata de Potosí, que tornara Buenos Aires um porto atraente e local de intenso
comércio. Daí a presença de holandeses, ingleses e portugueses, que em busca da
prata exploravam o contrabando, burlando o exclusivismo comercial da Espanha.
O entreposto do comércio português no Prata localizava-se na
Capitania Real do Rio de Janeiro. Para atender aos interesses dos comerciantes
locais e da Coroa, o Infante D. Pedro, rei de Portugal, determinou a D. Manuel
Lobo, governador daquela Capitania Real, que construísse uma fortificação à
margem esquerda do rio da Prata, em frente à cidade de Buenos Aires. D. Manuel
Lobo alcança aquele estuário em janeiro de 1680, quando inicia a construção de
um forte e do povoamento que viria a chamar-se Colônia do Santíssimo
Sacramento.
A partir de então começaria um longo período de disputas
militares e arranjos diplomáticos em defesa daquela posição e das fronteiras
meridionais lusas com a colônia espanhola. A Espanha defendia a linha
imaginária de Tordesilhas, enquanto Portugal não se dispunha a aceitá-la. Por
isto, a Coroa portuguesa procurava sustentar a sua presença desde a Vila de
Santo Antônio dos Anjos de Laguna – Atual Laguna (SC) – até a Colônia do
Sacramento, no atual Uruguai.
Há então um grande afluxo de comerciantes e militares
oriundos do Rio de Janeiro e de São Vicente, para reforçar a defesa ou retomar
dos espanhóis a Colônia do Sacramento. É durante essas jornadas que em
incursões à bacia do rio Uruguai os militares e comerciantes portugueses
constatam a abundância de gado à solta, desde a banda oriental ao atual estado
do Rio Grande do Sul.
O gado descoberto havia sido abandonado pelos jesuítas,
depois que suas reduções foram arrasadas pelos paulistas na preia do índio
guarani catequisado, para escravizá-los. À deriva, o gado se reproduzira,
tornando-se bravio e formando imensos rebanhos, que vieram a chamar-se por
“Vacaria Del Mar”.
A Vacaria Del Mar logo passou a ser disputada por espanhóis,
portugueses e índios das reduções dos jesuítas. Do gado era retirado o couro e
o sebo, para exportação em larga escala para Europa. Uma atividade extremamente
predatória. Conforme nos conta Caio Prado Junior, em “Formação do Brasil
Contemporâneo”, a carne era desprezada, pois não havia quem a consumisse; a
parca população local e o pequeno mercado catarinense não davam conta dos
imensos rebanhos.
Entretanto, com a descoberta do ouro nas Minas Gerais e a
decadência da pecuária nordestina, esse gado passou a ser levado em pé para o
abate na região mineradora. E com o aumento da demanda do consumo de carne,
ainda na primeira metade do século XVIII, mesmo à solta o gado passa a ser
engordado em invernadas. Surgem assim as primeiras estâncias, com as sesmarias
concedidas pela Coroa a militares e tropeiros bem sucedidos, que passam a
ocupar definitivamente a terra. A atividade da pecuária começa a ser
organizada.
Em 1779 é iniciada a construção da primeira charqueada, na
localidade que viria a chamar-se Freguesia de São Francisco de Paula, atual
Pelotas (RS). Na charqueada o gado era abatido e a carne salgada, depois
exportada para ser consumida como comida da população pobre e de escravos. A
atividade expande-se rapidamente, a ponto de transformar a cidade de Pelotas em
um centro rico e próspero, de grande importância social e cultural.
No ano de 1807 o atual Rio Grande do Sul é elevado à condição
de Capitania-Geral, com o nome de São Pedro do Rio Grande do Sul. Nessa época a
Capitania contava com mais de 550 estâncias e uma população de aproximadamente
30 mil habitantes, dos quais cerca de um terço era de escravos - a energia
motora das Charqueadas.
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segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Da prata e o couro às charqueadas
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