Há tempo, Cristina, minha esposa, vem pedindo para que eu pare de
contar aos amigos sobre o banho do Lacerda. Diz que estou repetitivo e que está
cansada de ouvir a mesma história. Então pergunto: - o que fazer se é grande a
quantidade de amigos? Mas, como marido obediente que sou, só me resta a
alternativa de me calar. Nada mais falarei sobre essa história!
Porém, já que vou me calar, reservo-me o direito de escrever sobre o banho do
Lacerda, para não perder essa história da memória. Assim, também poderei
publicar. Quem sabe não tenha faltado algum amigo, que ainda não saiba o que
viu a Laurinda?
Laurinda é da boa terra de Iriri. Desde pequena, aos nove anos, já
trabalhava na cata do marisco. Nasceu às 7 horas da manhã, do dia 27 de abril
de 1949, por parto normal com parteira, como ela mesma conta. Agora é uma
exímia cozinheira de frutos do mar; sabe como ninguém temperar uma autêntica
moqueca capixaba. Como ela é trabalhadeira, também acumula a função de caseira dos
mineiros, vizinhos do Lacerda.
Acontece que o Lacerda adora tomar banho ao ar livre, na ducha do
subsolo da sua casa. E o banho é igual ao de Adão, da mesma forma como veio ao
mundo. Creio que também gosta de banhar-se olhando os pés de manjericão, de mexerica
e o de figo, que dá apenas um figo por ano. Segundo ele, o figo é um presente
especial para sua esposa Olguinha. Tem ainda a vista de coqueiros e árvores
nativas.
Em uma reunião lá em casa, Laurinda falava de sua vocação para
cantora e compositora. Já conhecia uma de suas músicas e o poema que ela compôs
para o ex-prefeito do município de Anchieta, que ela leva inteirinho na
memória. Aí fui cutucado pelas diabruras, e falei: - Laurinda, qualquer dia
desses você vai pegar o Lacerda tomando banho de ducha pelado.
Ela sem titubear, respondeu: - Ah, eu vou pegar? Não! Estou
cansada de ver! Claro que os amigos presentes caíram na gargalhada pela
espontaneidade da Laurinda.
Assim, para esclarecer a situação, perguntei: - Mas, Laurinda,
você não viu nada não, não é mesmo? Ela então respondeu, com toda convicção: -
Vi, vi sim! Vi tudo! Lacerda toma banho assim... E passou a gesticular o modo
como Lacerda toma banho, passando as mãos por todas as partes do corpo.
Olguinha, ainda rindo, não deixou de confirmar: - Ela viu sim! Ela
viu sim! Está fazendo igualzinho. É como o Lacerda toma banho!
Mas, Lacerda jura que nunca tinha visto a Laurinda lhe olhando. É
que o muro do vizinho é baixo e Laurinda tinha alguma fórmula de tornar-se
invisível. Tinha, porque agora não tem mais.
Não tardou muito tempo, Lacerda passou no finalzinho da tarde
dizendo que ia primeiro tomar banho e que já voltava. Só que passado alguns
minutos ele voltou, do mesmo jeito que estava - ainda de sunga Nike e óculos
Ray Ban. Então perguntei: - E aí Lacerda, você não ia tomar banho? O motivo do
retorno, repetindo as próprias palavras do Lacerda: - É a Laurinda. Ela estava
lá. Disse que eu podia tomar banho, que ela já estava indo embora.
Creio que Laurinda ficou profundamente arrependida de ter contado
que viu o banho do Lacerda, pois desde então ela não consegue não ser vista.
Agora, Lacerda toma conta e por várias vezes tem adiado seu horário de banho.