sexta-feira, 22 de março de 2013

O banho do Lacerda

Há tempo, Cristina, minha esposa, vem pedindo para que eu pare de contar aos amigos sobre o banho do Lacerda. Diz que estou repetitivo e que está cansada de ouvir a mesma história. Então pergunto: - o que fazer se é grande a quantidade de amigos? Mas, como marido obediente que sou, só me resta a alternativa de me calar. Nada mais falarei sobre essa história!
 
 Porém, já que vou me calar, reservo-me o direito de escrever sobre o banho do Lacerda, para não perder essa história da memória. Assim, também poderei publicar. Quem sabe não tenha faltado algum amigo, que ainda não saiba o que viu a Laurinda?

Laurinda é da boa terra de Iriri. Desde pequena, aos nove anos, já trabalhava na cata do marisco. Nasceu às 7 horas da manhã, do dia 27 de abril de 1949, por parto normal com parteira, como ela mesma conta. Agora é uma exímia cozinheira de frutos do mar; sabe como ninguém temperar uma autêntica moqueca capixaba. Como ela é trabalhadeira, também acumula a função de caseira dos mineiros, vizinhos do Lacerda.

Acontece que o Lacerda adora tomar banho ao ar livre, na ducha do subsolo da sua casa. E o banho é igual ao de Adão, da mesma forma como veio ao mundo. Creio que também gosta de banhar-se olhando os pés de manjericão, de mexerica e o de figo, que dá apenas um figo por ano. Segundo ele, o figo é um presente especial para sua esposa Olguinha. Tem ainda a vista de coqueiros e árvores nativas.

Em uma reunião lá em casa, Laurinda falava de sua vocação para cantora e compositora. Já conhecia uma de suas músicas e o poema que ela compôs para o ex-prefeito do município de Anchieta, que ela leva inteirinho na memória. Aí fui cutucado pelas diabruras, e falei: - Laurinda, qualquer dia desses você vai pegar o Lacerda tomando banho de ducha pelado.

Ela sem titubear, respondeu: - Ah, eu vou pegar? Não! Estou cansada de ver! Claro que os amigos presentes caíram na gargalhada pela espontaneidade da Laurinda.

Assim, para esclarecer a situação, perguntei: - Mas, Laurinda, você não viu nada não, não é mesmo? Ela então respondeu, com toda convicção: - Vi, vi sim! Vi tudo! Lacerda toma banho assim... E passou a gesticular o modo como Lacerda toma banho, passando as mãos por todas as partes do corpo.

Olguinha, ainda rindo, não deixou de confirmar: - Ela viu sim! Ela viu sim! Está fazendo igualzinho. É como o Lacerda toma banho!

Mas, Lacerda jura que nunca tinha visto a Laurinda lhe olhando. É que o muro do vizinho é baixo e Laurinda tinha alguma fórmula de tornar-se invisível. Tinha, porque agora não tem mais.

Não tardou muito tempo, Lacerda passou no finalzinho da tarde dizendo que ia primeiro tomar banho e que já voltava. Só que passado alguns minutos ele voltou, do mesmo jeito que estava - ainda de sunga Nike e óculos Ray Ban. Então perguntei: - E aí Lacerda, você não ia tomar banho? O motivo do retorno, repetindo as próprias palavras do Lacerda: - É a Laurinda. Ela estava lá. Disse que eu podia tomar banho, que ela já estava indo embora.

Creio que Laurinda ficou profundamente arrependida de ter contado que viu o banho do Lacerda, pois desde então ela não consegue não ser vista. Agora, Lacerda toma conta e por várias vezes tem adiado seu horário de banho.

sexta-feira, 15 de março de 2013

As “muvucas” do Lacerda


O amigo Lacerda é sem par. Não há outro João Coelho parecido! Sua popularidade é tanta, que em todo lugar sempre encontra um amigo. Pode ser em Friburgo, São Luiz do Maranhão, Alto Caparaó, Natal ou Porto Seguro. Nas caminhadas de Iriri a Piúma é: Ei Lacerda, olá Lacerda, “cumé” que tá Lacerda, Lacerda... Só dá Lacerda na ida e na volta!
Para nossa sorte, sua esposa Olguinha é muitíssimo amiga nossa – minha, como da Cristina e de toda confraria dos amigos da parte de cima da Padre Anchieta e adjacências, em Iriri. Mas, mesmo com toda popularidade, Lacerda jamais será político. Olguinha mesmo já disse que Lacerda não terá o voto dela, justificando que ele não será um bom político.
Só que Olguinha se esqueceu, de que Lacerda entende tudo da Lei 8.666, que é doutor em preparação de Edital de Licitação, e que ninguém o engana quando o assunto é uma concorrência pública. Além de tudo é honesto! Por isto, tenho absoluta certeza, que ele seria um vereador ou deputado exemplar; desses que sabem fiscalizar e cumprir a função de legislar, em benefício da boa gestão pública.
Lacerda sempre tem seu roteiro do dia bem definido. É tudo muito bem programado, para não perder um segundo de vida. Há quinze dias fomos surpreendidos com sua chegada a Cachoeiro, com a Olguinha, numa quinta-feira; exclusivamente para comer a língua de boi do “Bom Gosto”- a melhor língua do mundo. Simplesmente comeu a língua com água, pela “Lei Seca”, e voltou logo em seguida para Iriri.
Cristina e meu filho Pedro foram encontrá-los. Quando chegaram em casa, disseram que Olguinha perguntou: - Lacerda, você vai comer a língua sozinho? (Porque ninguém gostava de língua). Então, Lacerda respondeu: Sozinho não Olguinha, com a alface! Ele sempre tem uma resposta para tudo!
Certa noite, Olguinha falou com Lacerda que não estava conseguindo dormir,  com sua tosse. Lacerda, então, prontamente emendou: - Olguinha, eu não tive tempo de tossir de dia, por isso é que tenho que tossir de noite.
Lacerda tem a minha idade, mas é do tipo mais jovial que conheço. Sempre de sunga, Nike e Ray Ban. Assim ele chegou à nossa varanda, com seu riso aberto e solto, quando eu tinha na mão meus comprimidos de Rosuvastatina, Bufferin e Atenolol. Espontaneamente falou: - Estou morto de inveja de você! E soltou aquela risada... Ofereci-lhe, então, os comprimidos, quando ele retrucou: - Obrigado! Tenha bom apetite!  
Triste que, uma semana depois, fomos surpreendidos com a repentina internação de Lacerda em uma UTI, em Vitória. Sorte que ele pediu a seu filho, Luizinho, que o levasse imediatamente para o hospital. Sentiu que estava enfartando!
Logo ele que pratica regularmente exercícios. Como enfartar com um corpo atlético, depois de uma caminhada? Ninguém poderia imaginar Lacerda enfartado! Felizmente, pelo pronto atendimento não houve sequelas, mas a “inveja” por tomar os remédios, certamente ele não terá mais.
Lacerda substituiu a inveja por seu lado romântico. Ele conta ter falado para Olguinha, que se tivesse que casar novamente a escolheria como esposa. E diz que ela respondeu: - Lacerda, eu vou pensar! É claro que Olguinha vai pensar, pelas “muvucas” que Lacerda apronta. Mas, indubitavelmente, casaria com Lacerda de novo.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Pão e circo


O melhor conceito que se pode ter de um bom governo é o de saber distinguir e priorizar aquilo que é mais importante e essencial para a população de um município, para o estado ou o país. Estamos hoje às vésperas de uma Copa do Mundo e das Olimpíadas que serão realizadas em 2016 no Rio de Janeiro. Duas das prioridades do Governo Federal e dos estados que estão envolvidos na organização desses eventos.
É importante, então, questionarmos se valera à pena para o Brasil, não só pela visibilidade que têm e do retorno que poderá trazer em publicidade e turismo. Mas, também, se realmente compensa gastar bilhões e bilhões de recursos, enquanto carecemos de investimentos em saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, entre outras áreas prioritárias, para as quais sempre há deficiência de recursos.
Lógico que não podemos retroceder as decisões tomadas diante do mundo. Mas, analisar essas decisões de governo é uma questão de dever do cidadão, do cumprimento de sua cidadania. O que não devemos é ficarmos omissos.
Nesta semana o portal da revista “VEJA” publicou uma série de matérias muito esclarecedoras sobre os estádios que estão sendo construídos para a Copa do Mundo. A primeira delas titulada “prepara o bolso: os elefantes brancos estão à solta no país”, de Giancarlo Lepiani. Valerá à pena aos leitores conferirem essas matérias, que são riquíssimas, pela clareza e importância das informações.
O primeiro ponto que chama a atenção é o problema do custo de manutenção e preservação dos estádios. Muito alto e que consumirá, durante a vida útil prevista para cada uma das arenas, durante décadas, mais que o dobro do montante utilizado na construção. Estima-se um valor entre 27 e 33 bilhões de dólares.
Outro problema é com relação à utilização dessas arenas. Brasília, Cuiabá, Manaus e Natal têm campeonatos com inexpressiva média de público. Depois da Copa do Mundo fatalmente esses estádios ficarão ociosos, mas consumindo recursos públicos que poderiam ser muito melhor aplicados se colocados, por exemplo, na manutenção dos hospitais públicos nas cidades onde estão localizados.
Também, em cidades como Recife e Fortaleza, a utilização das novas arenas pelos clubes locais sairá mais caro que o uso dos estádios próprios, o que poderá inviabilizar todo esforço realizado sejam essas arenas privatizadas ou não.
Porém, metade das arenas construídas não deve ser privatizada, pela baixíssima perspectiva de retorno. Somente as construções das maiores cidades são atrativas, pela possibilidade do uso em grandes eventos, além das partidas de futebol. Neste grupo está o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador.  
Nas Copas do Mundo dos Estados Unidos, França e África do Sul, da forma como muito bem mostra a “VEJA”, foram utilizados somente nove estádios. Por certeza, como diz a matéria, “é de costume no país, culpa da política, que sobrepujou o bom senso e colocou o gasto perdulário de dinheiro público em segundo plano. Houve esforço de sobra para contemplar aliados e atender a interesses muito distantes do futebol.
Quanto às obras estruturais, necessárias à mobilização urbana, que deveria ser o maior legado desses eventos, conforme o caderno de encargos assumidos, excetuando o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, muitos projetos já foram cancelados, quer por falta de recursos, licitação fraudulenta, ou tempo hábil para conclusão. Na questão dos aeroportos, que chega a ser vergonhosa para o país, poderemos ter a continuidade da construção dos já famosos “puxadinhos”.
A única certeza que fica é a de que até lá teremos o Bolsa Família e todas as arenas construídas. E, por certo, como teremos pão e circo, nossa população se sentirá satisfeita com a saúde, educação, segurança pública e infraestrutura que temos. Infelizmente, esta é a nossa realidade.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Indicadores da nossa burrice

Há tempo os políticos aprenderam a usar as pesquisas qualitativas para nortear seus discursos nos períodos eleitorais. Por isto a saúde, a educação  e a segurança pública são sempre “prioridades” nas campanhas políticas, seja para os cargos legislativos ou executivos.
Entende-se que muitos prefeitos e governadores depois de eleitos tenham dificuldades para cumprirem suas promessas, pois a distribuição da arrecadação no Brasil é extremamente perversa, pela concentração no Governo Federal. Mas, não cabe a vereadores ou a deputados a gestão da saúde, da educação ou da segurança pública, haja vista que suas funções são as de legislar e fiscalizar.
Infelizmente, pelo baixo nível de educação e poder crítico, poucos no Brasil sabem distinguir com clareza as competências do executivo e do legislativo. Assim, os discursos de campanha, sobretudo para os cargos de vereador e deputado, ganham um enfoque de oportunismo, pela pouca eficácia que têm para atender o anseio público.
 No entanto, tanto as Câmaras de Vereadores, as Assembléias Legislativas e a Câmara dos Deputados têm uma arma poderosa para mudar a realidade, que é o Orçamento Público. Mas, alheios a essa arma, nossos legisladores sempre preferiram subjugarem-se ao executivo, em troca de benesses e favores, a cumprirem com fidelidade suas funções.
Por isto, na maioria das vezes o orçamento é aprovado pelo legislativo da mesma forma como foi elaborado pelo executivo, sem qualquer discussão da locação das verbas.
Quando se fala então na função de fiscalizar, aí a coisa fica escandalosa, pois o que é regra é o parlamento, com pouquíssimas exceções, defender as mazelas do executivo, em todas as circunstâncias. Isto além de favorecer a utilização dos recursos de forma inapropriada, prejudica a avaliação crítica da população, que fica sem saber o que está certo ou errado, pela própria falta de informação.
 Esse círculo vicioso é uma das causas do descrédito atual das nossas casas legislativas.
 Vejam os leitores que até o momento o Orçamento para o ano de 2013 ainda não foi votado. Tudo porque o Congresso Nacional aguardava a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prioridade da votação de 3 mil vetos da Presidência da República, ainda não apreciados pelo Congresso.
 Esses vetos estão acumulados há mais de 10 anos, simplesmente porque nossos legisladores preferem a omissão à exposição de derrubar um veto presidencial, que deveria ser natural em um regime democrático.
Lamentável é que não vemos progresso. A própria eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para a presidência do Senado e de Henrique Eduardo Alves para a Câmara dos Deputados (PMDB-RN) é a garantia de que nada deverá mudar.
 Assim, a solução para os problemas da saúde, educação e segurança pública continuará em segundo plano.
 Não é ao acaso que temos uma das piores avaliações nos indicadores da qualidade da educação - uma das piores do mundo; uma saúde pública com investimentos muito menores do que em países pobres, e indicadores de criminalidade alarmantes.
 Tudo isto reflete no Índice de Desenvolvimento Humano, onde o Brasil ocupa a 84ª posição no mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas (Pnud). Contudo, há ainda aqueles que vendem a imagem de que hoje somos um país sem problemas.