No período entre a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, em abril de 1500, até a da expedição de Martim Afonso de Souza, ao final de janeiro de 1531, Portugal não demonstrou interesse em colonizar o Brasil. A primeira expedição exploradora, de 1501, sob o comando de Gaspar de Lemos (na companhia do mercador italiano Américo Vespúcio), não encontrara outra fonte de riquezas que não o pau-brasil. Daí que o rei D. Manuel I (1469-1521) tenha achado mais relevante explorar a nova rota das especiarias, mesmo a navegação sendo mais distante e mais perigosa pelo Cabo da Boa Esperança.
Então, a exploração do pau-brasil foi arrendada pela Coroa Portuguesa a um consórcio de comerciantes liderado por Fernão de Noronha, no momento em que a notícia da descoberta do Novo Continente já se espalhara por toda Europa, despertando a curiosidade e a cobiça de todos. Não demorou, portanto, para que entre 1503 e 1504 a França viesse a explorar o pau-brasil na costa brasileira. Tanto a França como a Inglaterra e os Países Baixos não aceitavam a divisão do Novo Mundo entre Portugal e Espanha, da forma como dispusera o Papa Alexandre VI (1431-1503) ao firmar o Tratado de Tordesilhas.
A exploração do pau-brasil pelos portugueses e franceses, e esporadicamente também pelos espanhóis, obteve a ajuda direta do índio. O principal atrativo para a aproximação foram as quinquilharias europeias, que de imediato despertavam neles verdadeiros fascínios. Depois foram introduzidos objetos de ferro, como o machado, a tesoura, a faca e o anzol, que lhes reduzia acentuadamente o trabalho, principalmente na abertura de novas lavouras.
O pau-brasil extraído pelos franceses do litoral brasileiro era bastante lucrativo, uma vez que usado como corante pelas indústrias de tecido da Normandia. Com o excedente, os franceses faziam forte concorrência aos portugueses no mercado europeu.
Contudo, a principal aliança para fazer frente às necessidades de mão-de-obra e ao enfrentamento de tribos hostis se dava pela “oferta matrimonial”, como explica o sociólogo Jorge Caldeira, em seu livro “História da Riqueza do Brasil”, quando diz que “a aceitação de um estrangeiro se fazia, ... , por um ato muito simples: o casamento de aliança com uma filha do chefe. E esse ato, num grupo em que, pelos costumes, os homens vinham de fora e as mulheres eram educadas para receber em casa os homens de fora, era bem mais simples de ser arranjado quando envolvia indivíduos de plagas remotas”.
Com este ato firmava-se um pacto entre os povos, que determinava uma forte relação de amizade que deveria estender-se aos tempos de guerra. E é justamente nas guerras em que eram capturados os inimigos que seriam subjugados como escravos ou submetidos à antropofagia, pela coragem demonstrada na lide. Em seus banquetes rituais de antropofagia os indígenas acreditavam que ingerindo a carne dos prisioneiros de guerra incorporavam toda coragem e força espiritual do vencido. Era justamente esse ritual o que mais temia e apavorava o europeu.
O ritual da antropofagia era uma prática comum utilizada pelos principais grupos tribais do Brasil, tanto no litoral como no interior. Deve-se ponderar que a organização social das tribos não se dissociava das guerras, haja vista que a própria estratificação social baseava-se fundamentalmente na capacidade de perseguir e matar o maior número de inimigos. Quanto mais valente o guerreiro mais consolidado ficava seu valor diante da tribo. Não por acaso, cabia ao guerreiro que capturava o prisioneiro o derradeiro forte golpe de borduna.
Conforme relatam inúmeros cronistas da época, não foram poucos os viajantes que em suas viagens em busca do pau-brasil acabaram por sucumbir nos rituais da antropofagia. Todavia, as circunstâncias sempre foram determinantes, haja vista que o índio tanto podia manifestar os mais profundos gestos de admiração e amizade, como também hostilidade. Tudo dependia da maneira como tratados.
Este artigo foi publicado na revista "Cachoeiro Cult" e no blog do "Clube de Leitura Icaraí"
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